28 de abril de 2014

[Opiniões] Carta aberta aos que se queixam de nós

"Aaai, os adolescentes são tããão difíceis."

Se há coisa que me chateia, é quando vejo aqueles artigos deste género.

Chateia-me. Entristece-me. Quanto mais textos desses leio, mais me parece que os adultos recorrem às hormonas descontroladas e à "rebeldia em busca de individualidade" como explicação do nosso comportamento, da mesma maneira que os indivíduos da Idade Média recorriam a Deus para explicar porque é que a Terra era o centro do Universo. Parece que nem consideram a hipótese de, em vez de recorrerem a psicólogos e sociólogos que nos tentam avaliar como se de criaturas de espécie alienígena nos tratássemos, nos olharem como pessoas com quem podem simplesmente conversar sobre as razões dos nossos modos de proceder.

Mas eu poupo-vos desse trabalho. Eu digo-vos porque é que somos assim.

Habitamos num mundo financeira e socialmente deteriorado, sem expetativas de melhora. Muitos nos dizem que "não somos nós que o estamos a sentir na pele", não servindo, pois, isto de justificação. Esquecem-se, convenientemente, que somos nós que vamos pagar daqui a uns anos. Somos nós os futuros licenciados desempregados, sem maneira de nos sustentarmos, que vamos ter às costas a responsabilidade de tapar à colherada um buraco no qual não nos enfiámos. Empurraram-nos. Somos pessimistas e cínicos porque o nosso futuro está a ser enterrado sem ter nascido pelas pessoas que nos empurraram e viraram as costas.

Desafiamos a autoridade? Pois obrigada. A autoridade máxima do país afunda o nosso lar e diz-nos que imigremos. Manda-nos embora. Expressamos a nossa preocupação, e descartam-na como "rebeldias de adolescentes imaturos". Não sabemos do que falamos, somos ignorantes e inconsequentes. Não consideram até irónico que nos chamem, de boca cheia, de inconsequentes? Eu acharia piada, não fosse trágico.

Conseguimos ser violentos e frios? Tirem as palas, olhem em volta, e pensem se consideram o ambiente em nosso redor propício ao crescimento de indivíduos completamente afáveis. Uma em cada quatro mulheres é vítima de violência. Pessoas da minha idade, ao terem de andar sozinhas na rua à noite, murmuram o próprio testamento e apertam as chaves no punho. Todos os dias os meus vizinhos gritavam um com o outro, até que a vizinha parou de se ouvir. O filho deles é um rapazinho de ar perturbado que não fala. Quando acordo à noite com um estouro lá fora, é-me mais plausível que tenha sido um tiro do que um pneu a rebentar. Ouvimos falar de guerras, tiroteios nas escolas, pedófilos e violadores mascarados de amigos. Afirmam que ter de lidar com homofóbicos, preconceituosos, sexistas e sociopatas é inevitável e natural. Alertam-nos para os perigos do mundo mal sabemos dizer o nosso nome, e depois queixam-se das defesas que arranjamos.

E depois de tudo isto, como querem que não sejamos revoltados? Zangados que tenhamos de limpar a porcaria dos que nos antecederam, de que não tenhamos um futuro para chamar nosso? Se há quem desista e se desvie do "bom caminho"? Que tal tentarem valorizar os seus motivos e ajudá-los, em vez de os condenarem?

Não. Não, dá muito trabalho.

Portanto, continuem. Continuem a falar dos adolescentes como se da pior raça se tratasse, continuem a bradar aos céus que o futuro está perdido nas nossas mãos.

Só não se esqueçam que foi a vossa geração que nos educou. E disso, não podem lavar as mãos.

Sem comentários:

Enviar um comentário