29 de novembro de 2013

[Opiniões] Coisas que deviam existir em Portugal

É conhecimento geral que habito e sou nacionalizada em Portugal. Sabem, aquele pedaço de terra da Europa Leste que nove em dez estrangeiros confunde com uma província de Espanha? Aquele, que viu a Grécia a saltar para um poço e decidiu que seria engraçado ir também? Aquele cuja existência só é significativa na época balnear? "Cristiano Ronaldo"?

Acho que já deu para perceber.

Apesar de me queixar numa base diária, eu até não desgosto to meu país. Por muito que clame querer ir viver fora assim que receber o canudo universitário, não sei se quero levar uma existência escassa em pastéis de nata e tremoços. Quase desassete anos a sobreviver por entre vuvuzelas, promoções do Pingo Doce e exames boicotados fizeram-me criar um certo carinho por este canto em crise.

Porém, para que este fosse um sítio de onde nem cogitaria sequer sair, ainda lhe faltam algumas coisas indispensáveis à plena felicidade humana.

Com as quais tomei a liberdade de fazer uma pequena lista.



Book Espresso Machine


Vais a uma livraria com o objetivo de comprar um livro específico, que acontece não estar disponível em stock. Queres um livro de autopublicação que não há em lojas, mas os portes, oh os portes de envio que lancinante dor na carteira. Há um livro que gostas numa biblioteca, e queres um exemplar teu. Queres comprar um livro só para passar o tempo. Inúmeras são as situações em que uma máquina de livros instantâneos seria a solução ideal.

Seria, não. É. Algum maluco levou a idéia a cabo.

A Book Espresso Machine tem acesso a um reportório de mais de 500 000 livros, a sua coleção sendo constantemente atualizada com edições de autor e editoras por pedido. Imprime 100 páginas por minuto, cola e encaderna. A não ser que andem a querer tijolos como O Nome do Vento ou o Nómada, certo é que em menos de nove minutos têm um livro fresquinho, imaculado, com aquele cheiro a novo, e pronto a ler nas aulas chatas.


Só que, por enquanto, estas maquinetas andam a espalhar alegria nos EUA, Canadá, México, África do Sul, Egito, Japão, e outros tantos países que não o meu.



Netflix


Netflix é um conhecido de muitos. É uma empresa que faz, basicamente, o trabalho de uma TV a cabo, mas em computadores, consolas de jogos, tablets e, está claro, televisão. É mais barato que a maior parte das companhias de televisão, e com acesso ilimitado a filmes, séries, programas, e exclusivos Netflix. No Brasil pagam um valor mensal fixo de 16,90R$, o equivalente a cinco euros e sessenta e cinco.

Cinco euros e um café por conteúdo cinematográfico e televisivo ilimitado. Enquanto nós aqui pagamos dezasseis euros para ver Querida Júlia, o Goucha, as festas de verão de Curral das Freiras e o Sócrates. Nos Domingos à tarde ainda levamos com filmes de há quinze anos atrás que traduzem "Fuck you!" como "Vai-te lixar!".

Adivinharam, o desgraçado do Netflix não está disponível em Portugal.

Existem, para este, programas capazes de enganar o sistema para mudar a nossa localização mas estes também são pagos, e como mudam a morada do usuário para os Estados Unidos, acaba por não disponibilizar legendas em português. E, vamos combinar, nem toda a gente é capaz de perceber inglês em velocidade de conversa. 

Imaginem o que seria ver Sherlock da BBC sem legendas. Jesuscristo.

Portanto, disponibilizem lá um serviço decente e legal de visionamento audiovisual aqui para a malta. Ou isso, ou parem com os ataques de cu-doído ao WarezTuga. É que já chateia.



Starbucks descentralizado


O café do Starbucks é uma maravilha gastronómica do mundo moderno. Sim, comecem já com as piadinhas de "white girl on Starbucks", ha-ha, que originais que vocês são. Eu espero até vos passar as crises de acefalia, e com sorte não vos bloqueio o acesso ao blog. Mas vamos combinar, o café de lá é muito bom. E, yayzes para nós, existe a copiosa quantidade de sete lojas em Portugal!

E todas. Em. Lisboa.

Mas a sério, porquê? Lisboa é, por acaso, a totalidade de Portugal? O Norte não existe, o Centro é mito e o Sul é miragem? Será possível que pensem que a capital é o único sítio onde um franchise de café dá lucro, que o resto do país é demasiado pobre e campónio para adquirir as suas bebidas de elite? Até na minha pequena terriola, que se consegue percorrer a pé de ponta a ponta em meia hora e um quarto e onde toda a gente se conhece pelo diminutivo familiar, se espetassem com um Starbucks em frente à minha escola faziam em cinco dias o suficiente para abrir outro Starbucks na outra ponta da cidade.

Descentralizem essa gaita, e talvez, só talvez, eu não me mude para fora.


Pronomes e nomes neutros

Fonte

Esta não é exclusiva de Portugal, mas senti-me na obrigação de mencionar. Agora é que isto vai arder.

Vivemos num mundo onde, muito graças às aclamadas internetes e à comunicação a nivel mundial que esta permite, muitos dos tabus e estigmas sociais estão a ser questionados e afundados a uma velocidade estonteante. Como parte resultante disto, muitos dos géneros e sexualidades que, há meras décadas, seriam escorraçadas violentamente, hoje são ao menos dadas a oportunidade de levantar a voz. Não digo que já se aceite tudo o que se deveria, mas a pequenos passos vamos.

Era aí que ajudava se o português tivesse um pronome neutro.

Vejam assim, eu sou agénero (agender, não sei se traduzi bem). Significa isto que não me identifico com o género feminino, nem com o masculino. Sou algo no meio, nem um nem outro. Para não causar confusões, digo que qualquer pronome me serve, mas vamos combinar, nem "ele" nem "ela" servem lá muito bem, porque ambos denotam um género binário. E não são só os coitados dos agéneros que sofrem - generoflúidos, terceiro-géneros e todos os genderqueers em geral se vêem à rasca com a perguntinha: "então chamo-te ele ou ela?"

Em inglês, apesar de não haver um pronome "oficial", eles usam aquilo a que chamam o "they singular" - basicamente, usam o they como um pronome neutro, porque não há um género associado a um they, mas refere-se a pessoas, não objetos como a alternativa "it". Aqui isso não funcionaria porque, bom - eles e elas. Géneros associados and shit.

Nesta mesma língua também se criaram pronomes ambíguos não oficiais, como "ze" ou "hir". E enquanto está tudo muito verde, estão um passo à nossa frente - porque pensaram nisso. Porque começaram a tentar encontrar soluções. Porque já é um projeto em maturação.

Na nossa língua? Amigos, há gente que a esta altura do campeonato ainda chora à custa do Acordo Ortográfico com o Brasil. Falem-lhes em mais mudanças na sua amada língua e observem enquanto lhes dá uma coisinha má com topping de espumações de baba e ranho por todos os orifícios que possuem.

Nós tugas temos este problema: somos demasiado saudosistas, e isso reflete-se no português da pátria - é um pó sempre que se quer mudar alguma coisa, porque deus me livre se vamos deturpar a nossa perfeita e magnânima língua com essas modernices. Esquecem-se que uma língua estática é uma língua morta que cai em desuso. Os tempos mudam, novas coisas aparecem, novas designações são necessárias. A maior parte das vezes, adotamos termos ingleses, chamamos-lhes "estrangeirismos" para distanciar da nossa língua e deixamos quieto como se nada fosse. Mas é que já chateia, e estamos mesmo a precisar de andar para a frente.

A mesma coisa com nomes próprios neutros.

Vou voltar a arrear na mesma tecla e a puxar a brasa ao inglês: Dakota, Charlie, Taylor, Casey, Quinn, Jordan... podia levar aqui o dia inteiro. Um progenitor português que queira deixar a coisa em aberto e neutralizar a carga do nome da criança, pura e simplesmente lixa-se. Um - lá está - genderqueer tuga que queira adotar um nome mais neutro, para não o associarem a nenhum género e poder viver feliz a sua vida em cima do muro, lixado está.

Vamos a mudar, sim? O mundo tem mais é de ser um lugar divertido e confortável para toda a gente.



E pronto. Coube-me a mim enunciar a lista e burocracias argumentativas, e o resto cabe-vos a vocemessês: se me fizessem o favor de enviar este post, na sua integridade, para quem quer que seja que está a tomar conta do país a esta altura - penso que seja a Merkel, não tenho a certeza - pelo menos umas vinte vezes por hora, ficar-vos-ia imensamente agradecida. Cederão a qualquer altura, e Portugal passará a ser o meu lar inquestionavelmente preferido.

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