6 de dezembro de 2014

[Ace Travels] Os Mini-Causos do Choque Cultural (Alemanha, 2014)

Regalem-se lá com os meus dotes fotográficos no Automático. Vá.
Mais uma lá das terras germânicas, que essa terriola mandou-me mais causos para cima do que eu consegui apanhar. Dos que não ficaram perdidos na minha falha memória, vou escrevendo aqui: e esta é dois em um.

O choque cultural é algo que todo o viajante ou turista deve ter em conta quando se está a deslocar. Se dentro do país, de região para região, já há um quê de diferença cultural que dá azo a mal-entendidos (quem é que havia de saber que gente do Norte não fala tão alto como gente do Centro e Sul?), de país para país então, a coisa intensifica-se.


Ao chegar à Alemanha, porém, este facto ainda não tinha me batido muito violentamente. Está certo, o facto de eu não perceber patavina do que as pessoas à minha volta diziam foi algo peculiar (porque eu fui à Alemanha, mas não falo puto e meio de alemão. Pensem em todas as maneiras de que eu me poderia ter lixado se tivesse de comunicar, e só depois prossigam a leitura), mas a presença de McDonalds, carros de marcas europeias e condições meteorológicas até suportáveis faziam a coisa ter um ar mais... de casa. É Europa na mesma, sei lá. A princípio não estava a computar que era um país diferente.

O primeiro choque cultural que tive, o primeiro contacto de "mas que merda é esta isto no meu país nem sonhado", foi numa estação de comboio - mas sim, uma diferente da do primeiro causo que aqui relatei. Dispunha o grupo de meia hora antes de chegar o próximo comboio, mas mandaram-nos o bom senso e as guias que não nos afastássemos muito do local de embarque. Numa estação daquela magnitude, era fácil perdermos a noção das horas e ficarmos por terra: o edifício mais se assemelhava a um centro comercial, com corredores largos ladeados a lojas de marcas de franchise, escadas rolantes ao dispor dos ociosos, e uma cúpula de vidro suportada por uma teia de ferro a limitar o céu interior. As linhas de comboio encontravam-se no centro de toda esta pulsante atividade, mas completamente camufladas e misturadas com o ambiente.

Já aqui, a coisa era diferente, mas estações de comboio grandes não são coisa assim tão descabida. Por aí passou. O choque em si ocorreu quando alguém do grupo se lembrou:

"Onde é que são as casas de banho?"

Pois. Três horas de avião e duas em comboios não tinham sido nada agradáveis para as nossas negligenciadas bexigas; assim, lá partimos em busca de uma casa de banho pública, deixando as malas e todos os pertences ao cuidado das guias. Não precisaríamos de fones, casacos e carteiras na curta tarefa que tínhamos em mãos.

Ou assim pensávamos nós.

À porta dos lavabos, acessíveis por uma estreita escada de azulejo marfim, preparámo-nos mentalmente para os odores ácidos a urina que nos violariam as narinas assim que entrássemos, aquele pungente cheiro característico das casas de banho públicas. Qual não é o nosso espanto quando nos apercebemos que paira no ar um aroma a limpeza e a limão.

Milagre dos países ricos, pensei na altura. Só quando chegámos ao fim das escadas é que percebi.

Eram casas de banho pagas.

Entreolhámo-nos em campónia confusão de europeus do leste face àquela nova visão do mundo: à entrada, uns torniquetes com ranhura para 1€ limitavam a passagem para a zona dos cubículos e lavatórios e, a um cantinho, uma senhora da limpeza munida de todos os apetrechos da profissão esperava que os transeuntes saíssem dos cubículos, lhe dessem uma gorjeta, e lá prosseguia a limpar o espaço utilizado enquanto a pessoa lavava as mãos e saía. Ou seja, entrada e gorjeta contadas, teríamos de dispensar pelo menos dois euros para aliviar a bexiga. O problema era (para além da forretice crónica que abunda nos genes tugas) o facto de termos deixado as carteiras com as guias. E tínhamos perdido tanto tempo a olhar os arredores, a tirar fotografias e a amontoar as cabeças em volta das montras, que não nos sobravam senão uns sete minutos.

Vi assim os meus prezados colegas no segundo sprint frenético do dia, corredor fora, escadas rolantes abaixo, em direção às guias e acima novamente, num contra-relógio a fim de conseguirem cumprir a inadiável função de soltar líquido que nem um aspersor numa tarde de Agosto. E, no processo, a darem-me a melhor história que provavelmente contarei aos meus netos.

Eu cá fiquei a assistir à cena. De qualquer modo, os lavabos do comboio, além de não terem conhecido uma esfregona desde o momento em que foram abertos ao público, eram grátis, e a minha forretice não conhece limites.


Ao fim de horas sobre horas de viagem, era quase uma da manhã quando chegámos à cidade-destino. Na estação, o grupo de hosts que nos acolheriam em suas casas esperavam-nos, algo para o sorridente, algo para o farto de tanta espera. O nosso cansaço também não era para brincadeiras: jogalhar um dia inteiro entre transportes, de malas atrás, atenção às carteiras, engulam um barra de cereais e continuem para não perdermos muito tempo, estávamos no pico da exaustão. Além disso, tínhamo-nos levantado às três da manhã para apanhar o primeiro voo - o que nos dava um esplêndido total de vinte horas acordados e em movimento.

Parecíamos uns zombies de Walking Dead. Uns portadores de Síndrome de Falecimento Parcial sob o efeito de calmantes. Uns corpos ocos de alma que, sabe-se lá como, arranjaram forças suficientes para abrir um sorriso aos simpáticos hosts. No entanto, assim que uma pessoa alcança para os cumprimentar com os tradicionais dois beijos na bochecha, chegam-se os malucos e dão-me um estranho abraço só com um braço.

Além disso, tenho quase a certeza que dez segundos é demasiado tempo pra um abraço.
Pronto. Tudo bem. Compreendido. Segundo choque cultural. Nada de mais.

Após mais uma viagem - de carro, desta vez - lá chegamos à casa dos hosts, onde seremos hospedados durante a semana da viagem. Encaminham-me ao meu quarto, e a senhora da casa lá me diz:

"É uma pena terem chegado tão tarde, hoje já não dá tempo para conviver um bocadinho. Enfim, deixo-te a sós para poderes desfazer as malas e preparar-te para dormir. Ah, e deixei-te uma garrafa de água na mesa de cabeceira, para beberes alguma coisa antes de ir dormir."

Assim o fiz. Não a parte de desfazer as malas - visto que não tinha armário, usei a própria mala como cómoda para a roupa, à boa moda do desenrascanço - mas lá fui dar um banho e preparar-me para dormir. Até que olho para a garrafa de vidro com água e para o copo poisados na cabeceira, e apercebo-me que até tenho uma certa sede. Ponho alguma água no copo, levo-o à boca e quase que morro.

Ninguém me avisou que os alemães só bebem água com gás.

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