10 de setembro de 2013

[Portuguesices] Jornalismo Português: EPÁ, PAREM SEQUER DE TENTAR

Este verão foi tão escasso em Portuguesices. Não ouvi grandes guinchos de horror lancinante pelas ruas que me impulsionassem a levantar a peida do sofá para ir investigar. Quero dizer, com o volume a que eu vejo filmes e ouço WTNV, duvido que uma horda de hienas no cio me conseguisse tirar daqui. Mas ontem estava eu quietinha no meu canto, a tentar descobrir uma maneira de comer cereais enquanto baixo a página no Tumblr, quando explode uma leva de publicações sobre o mesmo assunto, e os nossos adorados clamores de fúria.

Qual o assunto?

Um artigo sobre adolescentes publicado na revista Domingo, suplemento do jornal Correio da Manhã. 

Um artigo sobre adolescentes que me fez enfiar a cara na parede umas quinze vezes antes de vir para aqui escrever sobre ele.

Vou tentar acabar o post antes de cair para o lado à custa do traumatismo craniano e do sangramento do nariz partido.

(Nota de cabeçalho, eu não revi este post. É muito provável que existam algures erros, repetições, mas foi muito doloroso escrever isto. Mais doloroso seria relê-lo de ponta a ponta à procura de erros. Perdoai.)

Já agora, podem ler o artigo aqui enquanto eu espumo pela boca.

Dado que as publicações do Facebook eram print screens daqueles pedaços de informação em letras grandes, ainda dei uma benesse: talvez, só talvez, os indignados cidadãos não tivessem lido o artigo todo, e interpretado mal as letras gordas fora do contexto. Talvez, ao ler o artigo, descobrisse que afinal era uma obra inteligente que articulou uma finíssima trollagem na qual atiçava a atenção do desavisado leitor para depois o prender.

A minha esperança correu mais rápido que sangue menstrual em roupa branca quando me deparo com o título desta porreça:

Ter swag para não ser um nigga

*Suicídio não é opção, homicídio não é opção, apanhar um Alfa Pendular até Lisboa e tacar fogo à sede do Correio da Manhã não é opção...*

Ok.

Mas que porra é esta?!

Só o título em si é uma miserável tentativa de "falar à adolescente", mas que saiu mais como "falar à acéfalo iletrado". Sabem aquele amigo armado em pinel que aprende uma palavra nova, mas não sabe o significado, então usa-a no contexto errado só para que os outros vejam que ele sabe uma palavra bonita? E quando os outros conhecem a tal palavra, e sabem perfeitamente que está a ser mal utilizada, mas não lhe dizem nada por pena?

Esta jornalista é a personificação desse tipo de gente.

Para já, nigga. Nigga é uma expressão de origem inglesa/norte-americana, que se refere a pessoas de cor. Vem de nigger. Negro. Saca? E é daquelas palavras que, se for usada pelo mesmo tipo de pessoas a que se refere, é na boa. Se for usada por outsiders, tem uma conotação racista.

Ou seja, um negro pode usar nigga, com o significado de "mano", "puto", e afins. Mas um branco a usar é pedir para ser empalado na janela. É ofensivo. É como a Miley Cyrus usar o twerking como imagem de marca, sendo uma "prática", digamos, da etnia negra.

Conhecem a do "eu posso falar mal do meu país porque vivo nele, mas tu que vives aí ao lado falas mal e dou-te um chuto no céu da boca"? Mesma coisa.

É uma expressão deles, para ser usada por eles. O que esta jornalista fez não foi só uma flagrante apropriação errada de outra cultura, como usou uma expressão de cunho racista num artigo publicado.

A quanto é que estão os bilhetes para Inglaterra e os quartos de motel lá, a esta altura do campeonato?

Depois o artigo fala em como é tããão difícil para os pais perceberem as expressões dos filhos - que, se fossem filhos decentes, tiravam dois minutos da sua vida para explicar tais expressões - e passa para explicar como encontraram a rapariga que estão a entrevistar para tal artigo:

Descobrimo-la no grupo do Facebook ‘Adolescentes mais que perfeitos', onde diariamente são publicadas fotografias de adolescentes com swag. Catarina já enviou fotografias suas para lá. Depois de selecionadas pelos administradores, Daniel e André, pede-se aos restantes elementos do grupo (cerca de 11 mil) que as avaliem: 20 ‘Gostos' = Feio; 40 ‘Gostos' = Mais ou menos; 60 ‘Gostos' = Bonito; 80 ‘Gostos' = Lindo e 100 ‘Gostos' = Perfeito.

BEM, AFOGUEM-ME EM MOLHO MARINARA SE ISTO NÃO É MARAVILHOSO.

Por este país fora temos bateladas de adolescentes talentosos. Adolescentes que esfolam o cu a trabalhar naquilo que gostam. Adolescente que desenham em hiperrrealmismo com canetas bic, escrevem mundos fantásticos e crónicas inteligentíssimas no intervalo entre as aulas, cantam em vinte vozes e tocam três instrumentos, que constroem satélites com latas e descobrem novas estrelas com telescópios do Lidl. Temos gente que se disfarça dos seus personagens ficcionais preferidos, mas costura os seus próprios fatos e maquilha-se num grau de precisão tão perfeito que é uma completa personificação do bicho. Bombeiros voluntários, defensores dos direitos humanos, porta-voz de todo o tipo de causas nobres.

E VOCÊS ESCOLHEM COMO REPRESENTANTE DA CULTURA ADOLESCENTE UMA RAPARIGA QUE OCUPA O TEMPO A TIRAR FOTOS COM XUÉG "SWAG" PARA TER O CU LAMBIDO POR MEIA DÚZIA DE PUNHETEIROS DESOCUPADOS NUMA REDE SOCIAL DE VÍBORAS?!

PERFECT.

JUST.

PERFECT.

Eu não gosto de desfazer dos hobbies de cada um. Se a rapariga gosta de tirar selfies, e fica bem nas fotos que tira, maravilhoso para ela. Se se diverte, melhora as capacidades fotográficas, ótimo. Mas publicar numa página para ser avaliada é degradante. É de uma acerbada insegurança. É "não tenho confiança no meu próprio corpo, por favor digam que valho alguma coisa para me poder sentir bem".

Tirar selfies não é mau. As raparigas são constantemente doutrinadas de uma mentalidade de "o vosso corpo não vos pertence". De que têm a obrigação de ser bonitas, visualmente agradáveis. De que têm de rapar as pernas e ser magras. Tirarem fotografias a elas próprias é controlarem a forma como se apresentam perante o mundo. Não gostas do meu "bico de pato"? Pois, mas eu gosto de o fazer, e faço se assim quiser. Fica feio quando prendo o cabelo num coque alto? Temos pena. Eu gosto, eu é que tiro as minhas fotos, e tu não tens voz ativa na maneira como eu escolho ser ou me apresentar.

Agora, publicar numa página para ser avaliado é alimentar a mentalidade de que as pessoas precisam de aprovamento social para se sentirem bonitas. De que só és bonito se tiveres mais de sessenta gostos, ou seja, a aprovação de mais de sessenta pessoas. 

Isso é nojento. É incutir uma estigmatização e ridicularização pública do considerado "feio". Se o rapaz é minimamente gordo "LOL NINGUÉM GOSTE DA FOTO DELE PRA ELE SE SENTIR MAL". Está a fazer bico de pato "MAS QUEM É QUE ELA PENSA QUE É NINGUÉM FAÇA GOSTO".

Vamos fazer um aparte. Há algo que gostaria muito de dizer.

Toda a gente é bonita.

Lamechice à vista, clamam vocês. Anda a tentar conseguir atenção a dizer coisas bonitas, ouve-se no horizonte.

Nem por isso. Permitam-me que explique.

O conceito de beleza é subjetivo. Varia de continente para continente, de país para país, de cultura para cultura, de pessoa para pessoa. A nossa cultura ocidental valoriza como bonito os olhos claros, o corpo ampulheta nas raparigas, o corpo em V nos rapazes. Diz-nos que gordo é feio, que olhos castanhos são aborrecidos, que olhos grandes são atraentes. Crescendo neste ambiente, somos influenciados por estas ideias pré-concebidas e acreditamos nelas, porque são fáceis de engolir. Para quem cumpre este padrão, é uma mais valia acreditar nele. Porém, reunir tais características é pura sorte na tômbola genética que a maioria das pessoas não tem.

Eu sou demasiado magra e pálida para os padrões ocidentais de beleza. Sou saudável, mas o meu metabolismo é um Usain Bolt da vida e a minha pele tem preguiça em criar melanina. Aqui sou uma esquelética dos diabos e um fantasma, mas sabem que seria considerada muito bonita nalgumas partes da China? E sou alta, mas se fosse baixa, quase com uma compleição infantil, noutras partes da China seria bonita também.

Tenho os pés grandes. Muito grandes. Aqui é "feio", mas na Indonésia seria uma deusa. O meu pescoço comprido pode originar mexericos de girafa aqui, mas na tribo Kayan da Tailândia já tinha vinte maridos à porta.

Na Mauritânia ser gordo é bonito. Aqueles buracos nas orelhas com que ficam as pessoas que usam alargadores grandes, e aqui são olhados de lado? Mudem-se para os Masai do Kenya e sintam-se felizes. Tatuagens na cara podem fechar-vos as portas de todo trabalho que tentarem encontrar aqui, mas os Maori da Nova Zelândia abrem-lhes as deles.

Se compilarmos numa lista tudo o que é considerado bonito em todo o sítio do mundo, vemos que toda santa característica é bonita. Nariz encurvado é bonito, unhas quadradas são bonitas, mulheres carecas são bonitas.

Tudo.

É.

Bonito.

Então parem de tratar a beleza como se fosse uma benção que ilumina um grupo restrito de pessoas superiores e imaculadas. Porque não é.

Assim, ao usar como embaixatriz dos adolescentes uma rapariga que tem uma ideia distorcida e errada da importância da beleza, todo este artigo pinta os adolescentes de ignorantes, por tratarem um conceito subjetivo como um medidor do valor de alguém. 

Não digo que alguns adolescentes não sejam assim. Mas alguns adultos também o são. Alguns idosos também. Gaita, ignorância e ideias erradas existe em toda a parte. Não são características só pertencentes a um grupo social ou faixa etária.

Seria demasiado pedir à jornalista que mostrasse as duas faces da moeda?

Próxima parte:

Há algumas variações na escala, mas é também esta aprovação virtual que embala o ego, aquilo que procuram os jovens que se inscrevem nos grupos ‘Adolescentes mais bonitos' e ‘Adolescentes com Swag'. Zé Pedro, de Coimbra, 16 anos, é o administrador deste último grupo. "Eu e dois amigos decidimos criar a página porque a palavra swag evidencia um estilo que todos admiramos ou que gostávamos de ser como as pessoas que o têm, tipo o Justin Bieber, o Drake, o Wiz Khalifa. 

Esta gente anda a tomar como exemplo o Justin Bieber.

Antes que me chamem de carneirinha por não gostar do Biebs, deixem que explicite uma coisa: o meu desgosto pelo rapaz não vem da sua música, de ter tido uma fisionomia e voz feminina, ou de se vestir com suérgue SWAG. Vem apenas das atitudes escrotas que ele têm enquanto pessoa, mas que são relevadas por ser famoso.

Sabiam que o Justin Bieber:

Quando alguém toma uma pessoa como ídolo, ou decide seguir o estilo dessa pessoa, não pára apenas na forma de vestir. Passa também pelo comportamento. Se o estilo SWAG é personificado pelo Justin Bieber, quer isso dizer que o comportamento infantil e desrespeitoso e a futilidade fazem também parte do dito estilo?

Avaliando por todos os swaggers que conheço, sim.

Depois, se tivessem perguntado à outra faceta dos adolescentes, veriam que a maioria troça agressivamente da cultura SWAG. Mas agressivamente, mesmo. SWAG, para essa facção, é sinónimo de comportar-se como um imbecil nariz-empinado que se acha tão melhor por ser visualmente atraente ou simplesmente por ter roupa de marca ou duzentos gostos numa foto.

O que não fica muito longe da realidade.

É pena terem-se preocupado em entrevistar apenas uma minoria acéfala da população quase-adulta. Teriam tido respostas tão mais interessantes, tão mais ácidas e tão mais engraçadas se se tivessem preocupado com tal.

"Quanto mais amigos e mais gostos, mais populares somos", sublinha Catarina, cuja foto de perfil na rede social é em pose, de biquíni, na praia. "Para uma rapariga ter ‘swag' ajuda ser bonita e vestir bem, além de saber posar para as fotos, mas para um rapaz convém usar peças específicas de roupa", adianta Micaela. "É preciso vestir as marcas que estão na moda, como os bonés New Yankees Cap, camisolas Obey, Wad, entre outras", enumeram ainda os administradores do grupo ‘Adolescentes mais que perfeitos'.

Vamos repetir todos juntos:

POPULARIDADE NÃO MEDE O VALOR DE ALGUÉM COMO PESSOA!

E mais uma:

VENERAR MARCAS COMO SE FOSSEM O CERNE DA VOSSA TRISTE EXISTÊNCIA NÃO É "FIXE". É PURA E PUNGENTE ESTUPIDEZ!

Vou buscar um chá, que já faltou mais para me rebentar uma artéria.

Outra palavra da qual os adolescentes (no caso, as adolescentes) se apropriaram para um novo significado foi a não muito simpática bitch (cabra).
"Fazem com o significado de mostrarem carinho pela outra", explica Catarina. "Não tem o intuito de ser um palavrão, mas sim uma frase típica de jovens, tal como foi em tempos o pah no fim das frases", reforça Alexandre, 17 anos, um dos administradores da página ‘Adolescentes mais bonitos'. Na verdade, Bitch usado como sigla é o maior elogio que uma amiga pode dar a outra [Beautiful, Intelligent, Talented, Charming and Hot] - Bonita, Inteligente, Talentosa, Charmosa e Sexy. O uso, quer da palavra swag quer da palavra bitch não é um exclusivo dos adolescentes portugueses. Lá fora muda a grafia: é betch e segundo o Urban Dictionary "faz-te sentir cool".

Por amor a Anabiel, a sétima temporada de Supernatural dói menos que isto.

Gaita, até resenhar Junjou Romantica dói menos que isto. 

A ver vamos se nos entendemos: Bitch é um insulto. É uma forma de rebaixar as mulheres. É degradação do género feminino. Não tem mais nenhum significado senão o óbvio - cadela, cabra, puta. Não é a porra de um elogio nem aqui, nem em parte alguma deste braço da galáxia.

A "bitch transformada em sigla para significar uma coisa boa"? Foi uma paródia. Uma brincadeira. Um rapaz na internet que basicamente disse "Ah, mas reparem que quando vos chamo bitch, é na verdade bonita, inteligente – PFFFFFFT JUST KIDDIN' BITCH É BITCH E PRONTO".

Parem de distorcer o significado das palavras como justificação para as usarem incorretamente.

O ‘New York Times' fez recentemente um artigo sobre este novo ‘dicionário' e enumerou as regras mais importantes da vida das betches: não ser uma miúda fácil, não ser pobre, não ser gorda'.

Não sei se hei-de ficar feliz por mau jornalismo não ser só de Portugal, se horrorizada por esta vaga de parolice já se ter espalhado pelo mundo.

1. Ser "fácil" é um conceito misógino e puritano que condena raparigas que gostam de sexo. As raparigas não devem ser condenadas por terem comportamentos sexuais diferentes do socialmente correto. O corpo pertence-lhes, elas decidem. E não devem ser julgadas ou olhadas de lado ou chamadas de fáceis pela maneira como tratam do seu corpo.

2. ESTAMOS EM 2013 E AINDA HÁ GENTE QUE CONDENA E MARGINALIZA A POBREZA?

3. Fat-shaming? Vão dar uma voltinha ao bilhar grande.

Eu não tenho forças para continuar.

Vamos agora esclarecer esta parte:


SWAG já está explicado. Bitch, idem idem aspas aspas. As siglas inglesas, enfim, mau seria se não acertassem.

YOLO, ou You Only Live Once, era uma expressão que supostamente seria usada com o intuito de "tenho de fazer algo bom pelo mundo, cumprir os meus sonhos, ser uma pessoa marcante e fazer a diferença pela positiva, porque só tenho uma oportunidade", mas que está a ser erradamente usada como "vamos fazer asneira e partir coisas e encher a cara de Vodka preta e comportarmo-nos como perfeitos imbecis porque só se vive uma vez".

Móh e moss deram-me tanta vontade de rir. É que têm significados diferentes quando são, na realidade, a mesma palavra. Móh é uma contração de moss. E têm vários significados. Podem ser utilizados como interjeição de raiva, surpresa, tristeza, alegria. Moss, é daquelas palavras que se mete em qualquer sítio móh, e faz sempre sentido. Moss.

Zimbora. Madjé. Social. Cheio de cenário. Ninguém usa isso. Ninguém fala assim.


Na figura: gente com falta de louça para lavar que fazia melhor figura se lesse um
livro de vez em quando.
Já chega.

Desisto.

Finito.

Não vou mais longe. Não falo mais. Tenho um zumbido nas têmporas, o meu chá acabou, as costas doem-me e não estou para me torturar mais. Há torturas e torturas, e esta é daquelas que sinceramente, dispenso.

Só para finalizar, um singelo pedido:

Jornalismo português, pára de dar tempo de antena a gente malograda sem dois dedos de testa. Há tanto talento nacional, tanta gente esforçada que apreciaria tanto uns míseros dois segundos de atenção, e tu - desocupada media nacional - andas a gastar papel e tempo da minha existência com pessoas carecidas de algo bom a adicionar ao mundo.

Tem vergonha na cara.

Até sexta.



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